Sermão: Meditação Sobre a Brevidade da Vida — Jacques-Bénigne Bossuet

Death of an Orphan, Stanisław Grocholski

É bem pouca coisa o homem, e tudo aquilo que  tem fim é bem pouca coisa. Virá o tempo em que este homem que nos parecia tão grande não será mais, em que será como a criança que ainda está por nascer, em que não será nada.

Esteja-se pelo tempo que se estiver no mundo, mesmo que seja por mil anos, é preciso vir aqui. Não há senão o tempo de minha vida que me faz diferente daquilo que não foi jamais: essa diferença é bem pequena, já que no fim eu serei ainda confundido com aquilo que não é, e que chegará o dia em que não parecerá que eu fui, e no qual pouco me importará por quanto tempo eu tenha sido, já que não serei mais.

Eu entro na vida com a lei de sair dela, venho fazer meu personagem, mostrar-me como os outros; depois, será preciso desaparecer. Eu os vejo passar diante de mim, outros me verão passar; esses darão a seus sucessores o mesmo espetáculo; e todos enfim virão confundir no nada.

Minha vida é de oitenta anos, no máximo; que fossem cem: quanto tempo houve em que eu não era! Quanto há em que não serei! Quanto há em que não serei! E como ocupo pouco espaço nesse grande abismo de tempo! Eu não sou nada; esse pequeno intervalo não é capaz de me distinguir do nada para onde é preciso que eu vá. Não vim senão para fazer número, ainda que houvesse o que fazer de mim; e a comédia não teria sido menos bem representada, quando eu tivesse permanecido por trás da cena.

Minha parte é bem pequena neste mundo, e tão pouco considerável que, quando contemplo de perto, parece-me um sonho ver-me aqui, e tudo o que vejo não são senão vãos simulacros: Praeterit figura hujus mundi.

Meu caminho é de oitenta anos, no máximo; e,  para chegar lá, por quantos perigos é preciso passar? Por quantas doenças, etc.? O que previne seu curso de ser interrompido a cada momento? Não o reconheci inúmeras vezes? Eu escapei à morte neste e naquele encontro; é incorreto dizer “escapei à morte”: evitei este perigo, mas não a morte. Ela nos arma diversas emboscadas: se escapamos a uma, caímos em outra; no fim, é preciso repousar entre suas mãos.

Parece-me que vejo uma árvore golpeada pelo vento: há folhas que caem a cada momento. Umas resistem mais; outras, menos: se houver as que escapem à tormenta, de qualquer modo virá o inverno, que as murchará e fará cair. Ou como numa grande tempestade, uns são repentinamente sufocados, os outros flutuam sobre uma tábua abandonada às ondas; e quando creem ter evitado todos os perigos, depois de tanto resistirem, uma onda os empurra contra um  recife e os destrói.

É o mesmo: o grande número de homens que percorrem o mesmo caminho faz que alguns passem até o fim; mas, após ter evitado os diversos ataques da morte, chegando ao fim do caminho ao qual tendiam em meio a tantos perigos, encontrá-la-ão eles próprios, e tombam ao fim de seu curso: sua vida se extingue a si mesma como uma vela que consumiu sua matéria.

Meu caminho é de oitenta anos, no máximo; e desses oitenta anos, quantos são os que conto ao longo de minha vida? O sono é mais semelhante à morte; a infância é a vida de um animal. Quanto tempo de minha adolescência gostaria de ter apagado? E quando for mais idoso, quanto ainda? Vejamos a quê tudo isso se reduz. Que contarei então? Pois tudo isso não o é mais.

O tempo em que tive algum contentamento, quando adquiri alguma honra? Mas quão escasso é esse tempo na minha vida? É como pregos espalhados em uma longa parede, a certa distância um do outro; diríeis que ocupam bastante espaço; juntai-os, e não há o suficiente para encher a mão. Se tiro o sono, as doenças, a inquietudes, etc. de minha vida, e fico com todo o tempo em que tive algum contentamento ou honra, quanto sobra?

Mas esses contentamentos, eu os tive todos juntos? Eu os tive de outro modo que por parcelas? Mas eu os tive sem inquietude, e, se há inquietude, eu o considerei como parte do tempo que estimo, ou daquele que não conto? E não os tendo todos de uma vez, tive-os ao menos imediatamente?

A inquietude não divide sempre dois contentamentos? Não vem sempre perturbar-nos para impedi-los de se tocarem? Mas que me resta? Dos prazeres lícitos, uma inútil lembrança; dos ilícitos, um remorso, uma obrigação ao Inferno ou à penitência, etc.

Ah! Temos bem razão de dizer que passamos nosso tempo! Nós o passamos verdadeiramente, e passamos com ele. Todo meu ser leva apenas um momento; eis o que me separa do nada: aquele se escorre, tomo outro; eles se passam uns após os outros; uns após os outros eu os junto, tentando me assegurar; e não percebo que me arrastam insensivelmente com eles, e que eu faltarei ao tempo, mas não o tempo a mim. Eis o que é minha vida.

E o que é mais espantoso: isso passa no que me diz respeito; diante de Deus, permanece. Essas coisas me preocupam. O que a mim pertence, sua posse depende do tempo, porque deste dependo eu próprio; mas pertence a Deus antes de mim, depende D'Ele antes de depender do tempo, e este não pode tirá-lo de Seu império, que está acima do tempo: no que Lhe diz respeito, isso permanece, entra para os Seus tesouros.

O que aí ponho, eu o encontrarei: o que faço no tempo passa, pelo tempo, à eternidade. Especialmente porque o tempo é compreendido e está sob a eternidade, e leva à eternidade. Eu apenas desfruto dos momentos desta vida durante a passagem. Quando eles passam, é preciso que eu reaja como se permanecessem. Não é dizer muito: eles passaram, isto não discuto mais. Eles passaram; sim, para mim, mas para Deus, não. Ele me cobrará satisfação.

Pois bem! Minha alma, é portanto tão grande coisa esta vida? E se esta vida é tão pouca coisa, porque ela passa, que dirá dos prazeres que não duram a vida toda, e que passam em um momento? Vale o trabalho de se danar?

Vale o trabalho de se dar tanto trabalho, de ter tanta vaidade? Meu Deus, eu me resolvo, de todo meu coração, em Vossa presença, a refletir todos os dias, pelo menos ao me deitar e levantar, na morte. Neste pensamento: “tenho pouco tempo, tenho muito caminho  a trilhar, talvez tenha ainda menos tempo do que penso”, eu louvarei a Deus por me ter posto aqui para pensar em minha penitência, e colocarei ordem em meus assuntos, minha confissão, meus exercícios, com grande exatidão, grande coragem e diligência; pensando, não naquilo que passa, mas no que permanece. 



Vídeo originalmente publicado no canal Omar Mansour

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